Para falar de burnout, precisamos falar sobre a nossa relação com o tempo.
Você consegue dimensionar qual era o impacto do atraso de duas horas para receber um documento no século XVIII, quando a jornada do mensageiro era de cinco dias a cavalo? Não parece ser um grande impacto se compararmos com o impacto que esse atraso teria atualmente, quando um documento está a um clique de distância.
Isso mostra que a nossa percepção de tempo mudou muito ao longo dos séculos afetando a nossa tolerância e impaciência pelos resultados. De uma hora para outra, as coisas que precisamos fazer não cabem mais em 24 horas e vivemos uma corrida estressante e exaustiva contra o tempo.
Além da pressa, temos mais volatilidade, incerteza e complexidade que tornam a nossa tomada de decisão mais dinâmica e mais arriscada. Precisamos ser mais flexíveis, adaptáveis e cada vez mais resilientes.
Segundo a física, a resiliência é a capacidade que um objeto possui de voltar à sua forma anterior após ter sofrido um choque ou deformação.
Embora isso não se aplique literalmente ao corpo humano, o termo resiliência é amplamente utilizado como uma competência emocional muito desejada no ambiente de trabalho. Ser resiliente, portanto, é uma questão essencial para a empregabilidade.
Em nome da empregabilidade, buscamos superar as dificuldades a qualquer preço levando a nossa resiliência ao limite máximo, ignorando os sinais de exaustão. No entanto, precisamos nos perguntar: por quanto tempo conseguimos ser resilientes e nos manter funcionais?
Quando vivenciamos situações estressantes percebidas pelo nosso cérebro como uma ameaça, nosso corpo passa por alterações químicas importantes que nos preparam para enfrentar o perigo real ou imaginário.
Em resposta ao estresse, o organismo libera noradrenalina e adrenalina que desencadeiam uma série de reações por todo o corpo tais como: constrição dos vasos sanguíneos, respiração mais rápida, aumento das pupilas, aceleração dos batimentos cardíacos. Parece familiar?
Nesse quadro, muitos recursos como oxigênio e glicose são desviados para o nosso sistema motor, nos preparando para a luta ou fuga.
Como resultado disso, uma parte do nosso cérebro, o sistema límbico ou sistema emocional, fica em alerta máximo para garantir a nossa sobrevivência, enquanto o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio lógico e tomada de decisão tem sua atividade diminuída.
De acordo com estudos da neurociência, períodos prolongados de estresse tem impacto negativo e inibitório nas funções cognitivas.
Uma pessoa sob ameaça tem mais dificuldades para resolver problemas, é menos inovadora e criativa, tende a evitar erros e reage aos estímulos de forma defensiva. Seu cérebro fica, literalmente frito!
Esses são os mesmos sintomas causados pelo estresse crônico e prolongado devido ao excesso de carga horária, ambiente insalubre, metas inalcançáveis, chefes abusivos, dentre outros fatores.
Esse quadro de natureza ocupacional é conhecido como Síndrome de Burnout ou Síndrome do esgotamento profissional, um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante.
O termo Burnout não é novo, foi cunhado pelo psicólogo americano Herbert Freudenberger na década de 70.
A expressão vem do inglês Burn (queimar) e out (fora), e significa que nesse estado, você está severamente esgotado e com suas funções cognitivas comprometidas.
É bem provável que você já tenha conhecido alguém que tenha passado por um esgotamento físico e nervoso, como nos referíamos ao Burnout no passado.
Já vivi isso de perto quando recebi uma ligação de um parente, no início de 2004, informando que minha mãe estava internada depois de uma forte crise de dor de cabeça e tontura no trabalho.
Naquela ocasião, ela era gerente de uma companhia financeira que estava passando por muitas mudanças estruturais e que tinha tido uma experiência bastante dolorosa de assalto na agência em que trabalhava.
Após algumas semanas internada, ela teve um sério comprometimento das funções motoras e precisou passar por um programa de reabilitação física e acompanhamento psiquiátrico.
Todos os sintomas se encaixam no que hoje conhecemos como Burnout, embora ninguém tenha usado esse termo para explicar o seu quadro naquela época.
O quadro de burnout tem três marcadores bem presentes que podem ser identificados através dos seguintes sintomas e comportamentos:
- Exaustão: o profissional sente-se esgotado e emocionalmente exausto, deprimido e sem energia para lidar com os desafios diários. É comum apresentar insônia, dores de cabeça e gastrointestinais.
- Alienação das atividades relacionadas ao trabalho: a pessoa tem uma percepção cada vez mais negativa sobre seu emprego e apresenta certo cinismo sobre sua empresa e seus colegas.
- Desempenho reduzido: as pessoas com burnout são muito negativas em relação às suas tarefas, têm dificuldade em se concentrar, são apáticas e sem criatividade.
Um fato relevante que colocou esse tema em evidência, é revelado por uma pesquisa realizada em 2019 pela International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR), divulgada pela Agência Fiocruz.
A pesquisa diz que o Burnout afetava 32% da população brasileira economicamente ativa e que o Brasil ocupava o 2º lugar no ranking mundial dos trabalhadores com Burnout.
A pandemia contribuiu para piorar esse cenário, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgar que o Burnout cresce no mesmo ritmo que a depressão, que será a principal doença do Brasil até 2030.
Essa projeção foi decisiva para que a OMS incluísse o Burnout na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Nesse documento, a síndrome é identificada pelo código CID 11 — Burnout.
Na prática, significa que por meio de um diagnóstico clínico realizado por um psiquiatra ou psicólogo, o profissional que apresenta os sintomas do Burnout, pode ser afastado legalmente do seu posto de trabalho e usufruir dos seus direitos legais frente a uma doença ocupacional.
A empresa passa a ser responsabilizada e com isso, uma luz sobre a prevenção se acende e toma a forma de políticas de bem-estar e saúde mental no trabalho, tópicos que até pouco tempo eram negligenciados.
Atendimento psicológico, pesquisa de clima, capacitação das lideranças, políticas que regulam a carga horária, garantia de descanso e férias são algumas das estratégias preventivas que as empresas empreendem para reduzir o quadro de burnout que traz grandes prejuízos para os negócios.
É importante lembrar que cada um de nós tem responsabilidade sobre a redução da incidência no burnout, seja no papel de líder, seja no papel de liderado.
Precisamos prestar atenção aos sinais dados pelo nosso corpo e atuar de forma preventiva. É possível atuar desde o início dos sintomas e evitar a evolução para o esgotamento físico ou mental incapacitantes.
Aqui vão algumas dicas:
- Pratique o autoconhecimento e autopercepção: o que está diferente no seu corpo, na sua mente? Há algo que fazia antes e agora não faz mais, ou faz com qualidade reduzida?
- Investigue os possíveis gatilhos: quando começou? O que mudou no seu contexto de trabalho que contribuiu para isso?
- Elabore soluções: tem algo que esteja no seu controle? Algo que você pode mudar no seu comportamento? Consegue ressignificar o que não está no seu controle?
- Negocie contingências: tenha coragem para negociar, compartilhar os riscos e decisões e admitir sua vulnerabilidade.
- Procure ajuda: não espere perder o controle, busque um profissional qualificado para apoiá-lo e não subestime o que está sentindo.
Vamos falar abertamente sobre o burnout e dos riscos que pessoas e empresas estão correndo ao ignorar esse assunto?
Começando por derrubar alguns mitos da nossa cultura que propaga que admitir o estresse é sinal de fraqueza, reduzir o ritmo é falta de comprometimento, estar sempre ocupado é sinal de produtividade.
Todas as falácias que nos levam ao limite da exaustão em nome da resiliência fritam o nosso cérebro!